domingo, 15 de junho de 2014

Give up

Entrou no quarto na mesma hora que em dias anteriores, era esse o procedimento e não convinha alterá-lo. Pediu-lhe para ela se levantar, ela concordou. Pegou-lhe no braço com carinho e colocou-a em frente ao espelho recém chegado .

- Olha-te...o que vês?

Ela ficou em silêncio por um momento. De repente, parecia que tinha ficado completamente sozinha ali...só ela e o espelho. Só ela e os monstros dela. E então, conseguiu responder.

- Pele sem brilho, cabelo que um dia já foi bonito mas não o é mais. Olhos de alguém que parece ter o triplo da idade que tem. Corpo que se vai recuperando mas mente doente. Dentro dela...não vejo nada.

Ele largou-lhe o braço, virou o rosto para a parede e susteve o ar por um segundo. Não era a resposta que ele queria, mas era, com certeza, a que ele contava.
- Sabes o que eu vejo? Uma miúda lindíssima com um enorme potencial para crescer na vida e ser imensamente feliz. Vejo alguém extremamente inteligente, com carácter, com noção do mundo mas sem suporte para se segurar.

Dirigiu-se à porta para sair rapidamente, quando foi interrompido por ela.

- Não.

Ele parou. Não sabia o que esperar dela agora.

- Você apenas diz o que gostaria de ver em mim, o que gostaria que fosse real. E é por isso que os seus olhos se enchem de tristeza, pois não suporta ver a verdade. Que eu não tenho conserto. Não suporta ver meu corpo lutando constantemente para sobreviver enquanto minha mente o mata. Não suporta perceber que eu não ligo a mínima para o vosso tratamento nem tão pouco para as vossas palavras. Você não suporta ver que eu tenho razão, que não há nada em mim para salvar, que mesmo que eu sobreviva, eu ainda continuarei morta. É isso que você vê...o tempo todo que olha para mim...mas a sua medicina obriga-o a mentir...Você foi ensinado a mentir...e adivinhe doutor...eu sou o tipo de miúda, que odeia mentiras!

Aquelas palavras quebraram-lhe o coração. Eram verdadeiras, frias e precisas tal como ela. Queria salvá-la mas não sabia como. Ela amarrava-lhe as mãos quase como num pedido de socorro para não a salvar. E pela primeira vez, ele tinha uma paciente que no mais fundo de si, desejava mesmo morrer.



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